segunda-feira, março 23, 2009

Saindo do armário...

Meu cabelo tem vida própria.

Quando achei essa comunidade no finado Orkut- não ando muito mais por lá -, me identifiquei de cara. Meu, foi feita para mim!
Desde criança é uma briga danada com o bixinho. Pequena vivia de trança, sabe aquelas tranças embutidas complicadas que apertam até os pensamentos? Lá ia eu para escola com os olhinhos puxados e fitinhas vermelhas na cabeça. Nessas horas, sempre tinha um engraçadinho para perguntar:
− Nossa, você é descendente de japonês?
Hello? Você é míope ou o quê? Olha o tamanho do meu nariz camarada!

Enfim, tática de toda mãe para não passar pelo perrengue de ficar horas a fio catando piolhos e ouvindo uma meninha emburrada reclamando.Também, não é para menos, né? Imagina a batalha de cuidar de um cabelo enrolado até a cintura.
Insano.
Fui crescendo e adolescente não sabia cuidar muito bem dele não. Vivia preso o pobre, sendo liberto só em ocasiões muito, muito especiais e mesmo assim, só a base da avançadíssima técnica do balde, como me zoam minhas amigas.
Essa complicada técnica consiste em 3 passos:

O primeiro é meter a cabeça num balde cheio de água, é a mudança do estágio juba de leão para bola de cabelo murcha.
O segundo é passar rapidamente, para não dar tempo de secar, ao balde de creme, leia-se creme para pentear, pois vocês não sabem o estrago que aquela história que diz a embalagem que é preciso tirar todo o condicionador faz a um cabelo crespo.
E finalmente o terceiro, mas não menos importante, balde de gel, para garantir que a primeira brisa não vai pôr todo o trabalho anterior a perder.

Confesso, o resultado era estranho. Imagine uma coisa lambida, com cara de molhada o tempo todo, grudada no couro cabeludo e embaixo vários cachinhos parecendo a um miojo castanho.ECA.
De tanto brigar, como muita mulher por aí, resolvi apelar para a química pesada. E lá fui eu para anos e anos de relaxamento. Horas e horas perdidas no salão, passando aquela coisa fedida para deixar os fiozinhos mais ajeitados. Muita grana e mais cremes jogados ralo abaixo... e a coisa não melhorava.

Um dia me revoltei e cortei. Cortei curtinho, já que o estilo Maria Rita estava na moda – meu deus, eu na moda? – também me rendi.
Trabalhava numa academia como recepcionista e todo mês podia fazer alguma coisa na faixa lá na cabeleireira e o que eu fazia? Cortava, cortava, cortava.
Fiquei meio meninho por uns tempos, mas até que eu gostava. Mas velhos hábitos são difíceis de mudar, né? Mesmo com os bixinhos pequetitos lá estava eu na sina do balde de água, balde de creme, balde de cabelo e relaxamento de tempos tem tempos, para arrematar.
Todo mundo sabe que quando se tem química no cabelo, hidratações periódicas são mais do que necessárias, para usar um termo corporativo, são MANDATÒRIAS.
Claro que eu sabendo disso, fazia sempre periodicamente de nunca em nunca e ao final de alguns meses, o pobre ficava com uns fiozinhos rebeldes meio durinhos, tadinho.

Já em São Paulo, minha irhmã Lara de tanto falar e insistir me convenceu a fazer a tal da máster, blaster, super, bubbles escova progressiva. R$200,00 a menos na conta, puxões absurdos dali, queimadura de secador acolá e lá estava eu com os cabelos mais lisos que eu jamais pude imaginar. Nossa, meu cabelo é dessa cor?
Achava o máximo pentear o cabelo seco, era meu sonho pegar uma escova e ficar em frente ao espelho penteando e jogando para um lado e penteando de novo.
Foram 5 dias me deliciando com a escova na mão. Só para não acharem nojento, quanto mais tempo se fica sem lavar a cabeça, depois de um processo como este, melhor o efeito.
Passada toda esta lisura, o bixinho entrou num estado de crise existencial. Nunca estava lá nem cá, uma coisa extremamente irritante de dominar. Me injuriei. E assim fiquei por mais um ano, claro, porque para conseguir dar um jeito nele sem ficar careca, só esperando muito tempo mesmo para ele recuperar as forças e crescer um tanto.
A convivência com minhas amigas negras lindas, foi embutindo um desejo enorme de assumir a negritude do meu black e eu ficava numa conversa interna. ­

− Eu vou assumir, eu vou assumir, eu vou assumir.

Como o ser humano às vezes é um bicho burro e inseguro, eu comecei a exteriorizar este desejo íntimo para ver o que os de fora diziam, né? Sempre bom checar se você não vai ser apontada na rua como um alien. Idiotice eu sei, mas passou, passou.
Dizia para um, dizia para outro e aos poucos fui me empolgando com a idéia.
Mudança de casa é sempre um bom momento para mudança de visual e lá fui eu para o centro de São Paulo em busca de um cabeleireiro que cortasse cabelo afro.
Como assim?
Sim, 99% de quem corta cabelo liso NÃO sabe cortar um cabelo black!
Entrei na galeria meio desconfiada, olhava de box em box: Coloca-se cabelo, Tranças, Dread e nada de cabeleireiro
Entrei em um para perguntar:
− Oi, aqui vocês também cortam cabelo?
− Ah, é, ah, corta sim- Pessoa com cara de quem acabou de acordar, me olhando de cima abaixo, gaguejando:
− De mulher também? – me certifico, já que o lugar parecia mais uma barbearia.
− Corta sim, mas quem corta é fulano e ele ainda não chegou, se você quiser esperar...
− Ah, ah, não, obrigada- fujo com cara de desconfiada, morrendo de medo de sair de lá parecendo o bozo.

Uma galeria a frente, lá vou eu de novo.
− Vai ali ó, e fala com o Carlos, ele corta para você- fala uma mulher apontando para outro box.
Claro, o Carlos, como não pensei nele antes? Quem é Carlos meu pai?
Chego à porta, olho em volta do minúsculo lugar cheio de homens negros trabalhando, fazendo as cabeças de outros homens negros, ao estilo de barbearias de periferia que aparecem em filmes norte-americanos, sabe?
− O Carlos?
Um ser dá um passo a frente.
− Oi, a moça dali me falou que você corta cabelo, você corta de mulher também?
− Corto, corto, senta aqui.
Eu, com frio na barriga, sentei, já rezando: Ai meu cabelinho, meu cabelinho, meu cabelinho.
− Eu quero assim- disse mostrando uma fotinho encontrada na internet do corte de cabelo de uma negra linda de morrer.
− Não se assusta com o jeito que eu corto seu cabelo não, tá? Nunca deixe ninguém nunca cortar seu cabelo molhado. Senão você vai acabar ficando careca.
Eu, apavorada, só fazia que sim com a cabeça enquanto ele fazia meu cabelo crescer e crescer e crescer, a base de secador e garfo.

Pausa para explicação: Não, por mais óbvio que isso possa parecer, garfo não é aquilo que você usa para comer e sim, um pente com vários “dentes” de metal usado para “garfar” um cabelo black e deixá-lo do formato desejado.

Tic tic tic tic tic tic tic- e lá ia a tesoura arredondando meu cabelo do formato da fotinho. Eu achei aquilo o máximo. Me olhava no espelho e não conseguia conter o riso ao ver minha cabeça igualzinha a um cotonete. Só ficava imaginando a reação das pessoas. Sim, adoro chocar.
Enquanto fazia sua obra prima, ele me falava:
− Legal mesmo era quando tinha concurso de black, aí sim a coisa era boa.
Pegando um quadro com uma foto de um black muito estiloso, continuava:
− Esta era uma cliente nossa da época- e eu encantada.
Ai que bom! Escolhi o lugar certo!
E desde então não posso ver um cabelo frito- cabelo com escova, chapinha, progressiva e afins – que quase não me contenho para falar para a pessoa:

− Assume também boba!

9 comentários:

C. disse...

Com toda essa atitude, duvido que alguém nao vá assumir, depois de ler esse texto maneiro dimais.

Ano passado quando estive aí em Barbacena (esse termo se usava antes - nao sei agora - qdo se falava da terrinha), inventei fazer a tal escova progressiva, isso pq nem tinha cabelo crespo. Agora ele tá em crise existencial completa, nao há creme que ajeite. Conselho: melhor assumir que aderir às novidades dos saloeszitos modernos, a gente se dana depois.

Vc viu que mudei de boteco? rss op`s, cafofo!!!

Léia Carvalho - LC disse...

Ok vou assumir:
minha progressiva e coloração falsa kkkkkk

Para você ficou SHOW SHOW E SHOW, não sei como demorou tanto para fazer isso.
TU TA LINDA

Maria disse...

Sabe que antes mesmo desse post, você foi a minha inspiração, certo?
Estou a base mais-João-que-Maria, daí um dia vou ficar linda cotonetuda também!

Só que loira... rs...

Walkiria disse...

Hahahahah MEU, EU ADOREI!!! É uma pena que vc atualiza pouco seu blog, vc escreve muito bem! Hahaha CARA,eu cheguei aqui hj chateada, desmotivada,sem vontade de cantar uma bela canção e enquanto lia esbocei vários sorrisos e até uma discreta gargalhada hahaha, olha essa parte meu:
"− Ah, ah, não, obrigada- fujo com cara de desconfiada, morrendo de medo de sair de lá parecendo o bozo." rsrsrs só vc mesmo viu. E o mais legal é que eu acompanhei uns 90% dessa sina, o balde foi o PIÓ hahaha... Mas sinto que o tempo só tem feito a gente melhorar, né? Tipo, ver fotos do passado se compara a "Hora do Pesadelo 2". Quanto a fritar, pra mim é inevitável, já era, faz parte de mim agora, até pq o meu nunca seria tão bonito no estilo afro como o seu e o das meninas... mas adorei seu jeito de finalizar o texto: "− Assume também boba!" hahaha...YOU ARE GREAT!
Adorei, beijocas!!!

Maria disse...

PS: I am comming out!!!

Maria disse...

PS: I am comming out!!!

~*Rebeca e Jota Cê*~ disse...

Adorei!

C. disse...

Carolzinha, tu tem se esmerado nos coments hein, brigadim!

Fabiane disse...

Um MÁXIMO esta tua história!!! Que texto bem humorado. E pensar que tem tanta gente que sofre com esse tipo de coisa. Nessas horas, nada como enfrentar o medo, dar a cara a tapa e mudar para ser mais feliz e bonita.