Graças a minha mania de praticidade – e vício na internet – descobri em 2008 que não precisava sair de casa quando minhas lentes acabassem, bastava fazer a compra online e no dia seguinte, lá estavam elas, perfeitinhas. (confira essa descoberta aqui).
O processo é o seguinte, cada lente é feita para durar 1 mês, cada caixinha vem com 6, então, durante 6 meses o máximo que tenho que fazer é garantir que quando eu viaje ou não durma em casa leve uma extra para garantir qualquer imprevisto – não que sempre tome este cuidado, mas tudo bem.
Eis que há umas 3 semanas, enquanto ainda estava de férias, abri a minha última pensando: “Quando voltar para São Paulo preciso comprar, já não tenho mais nenhuma de back up e isso pode dar merda”.
As férias acabaram, as semanas passaram e eu continuei me conectando todos os dias fazendo sabe-se Deus o quê, porque comprar as lentes que é bom, NADA.
Até que...
Quarta-feira passada, eu em aula, sentia que um cisco gigante tinha possuído meu olho, pelo visto perceptível, porque uma aluna falou:
– Nossa teacher, você tá com conjuntivite? Seu olho está muito vermelho.
Ao sair da aula, em completa agonia, meus olhos pareciam estar em chamas. O caminho para casa foi eterno, quando finalmente consegui me livrar da maledeta, tudo o que pensei foi:
“Tô ferrada!”.
Na manhã seguinte, assim que acordei, sem lente mesmo, corri para acessar o site e comprar as benditas, com sorte, daria tempo de postar naquele dia ainda. Comprei e liguei, por via das dúvidas, só para me acalmar.
Pessoa da ótica: – Qual lente você precisa? ...Ah, então, essa lente eu pedi, deve chegar no começo da semana que vem.
Eu, em completo desespero: – Semana que vem? Moço, eu tô precisando muito.
Pessoa da ótica, com calma (irritante) extrema: – É por isso que a gente indica a compra com antecedência.
E eu, em pensamento, amaldiçoando a minha décima quinta geração, “Antecedência? Tarde demais meu amigo. Eu estava ocupada demais atualizando as 950 mil redes sociais das quais faço parte”.
Quinta-feira: 1º dia na vida a sair de casa sem lente ou óculos.
Objetivo: Chegar em casa são e salva no final.
Destino: Terapia, do outro lado da cidade. Digamos que sua terapeuta dizer “Que falta de cuidado consigo mesma, hein” não ajuda no processo.
Depois aula, também do lado oposto. Não enxergar o que aluno aponta em seu livro é um tanto embaraçoso. “Teacher, o que significa isso aqui?” e tudo o que você vê é um bando de letrinhas dançando enlouquecidas e você não tem a melhor idéia do que significam, exatamente porque não consegue ao menos identificar do que se trata! Oh gosh!
Humor: Levemente alterado, mas a mente ainda me dizendo “Calma, agora não adianta perder a paciência, a errada foi você, agora aguenta”.
Sexta-feira: Dia de folga. Sem grandes traumas.
Sábado: 6 aulas. Alunos novos e não-visão é uma combinação perigosa, mas... sobrevivi.
Aniversário. Certo, quando você vai do lado oposto do lugar que deveria ir durante a noite, sem enxergar nenhuma placa a coisa pode ficar complicada, mas nada que vários reencontros deliciosos não apaguem o trauma inicial.
Balada. Ow, ow, lugar escuro, luzes piscando e fumaça exigem um apelo desesperado às amigas “Por favor, vocês são os meus olhos essa noite, não me deixem fazer nenhuma besteira!”.
Domingo: Bienal. Certo, livros e visão são duas coisas quase que sinônimos, né? Neste dia, meu humor começou a decair, nada me irrita mais no mundo do que ver somente borrões e justo no templo da literatura, não, não, não. Foi demais para mim.
Segunda-feira: Terapia de novo. Aula de novo. Humor indo ladeira abaixo.
Terça-feira: Telefonema desesperado para a ótica. – Vocês já receberam?
– Acabou de chegar moça, vai para você amanhã por motoboy.
E com a esperança, fiquei um pouco mais felizinha, porém, rinite, olhos ardendo e aulas não são compatíveis, neste dia, o meu mantra foi: “Hoje eu só quero que o dia termine bem”.
Quarta-feira: E eu parecia cachorro em frente à vitrine de padaria a cada vez que ouvia da janela o som de uma moto se aproximando, a tarde chegou, o dia passou... e nada.
Novo telefonema: – Então, vocês mandaram por motoboy ou pelo correio?
– Ai moça, onde você mora é longe, né? Vai pelo correio.
Perdão pela palavra, mas PQP! Neste momento, eu estava para bater a cabeça na parede de tanta agonia.
Dormi cedo, para o dia chegar mais rápido.
Quinta-feira: 13h. Campanhia toca, Correio!
– Graças a Deus que você chegou moço. Você não sabe como eu estava esperando por isso.
Ao pegar a caixinha, logo percebi que algo não estava certo, afinal, o pacote era pequeno demais para a minha encomenda. E... não deu outra, pedido entregue errado.
E de novo, eu ligando na ótica:
– Nossa, não acredito que entregaram errado, eu vou te recompensar, vou te dar várias coisas extras, pode deixar, amanhã eu mando via motoboy para você.
– Amanhã? Peloamordedeus, qual o endereço de vocês? Eu vou aí buscar!
Centro de São Paulo, ao sair do metrô Anhangabaú o meu desespero se acentuou consideravelmente, apesar das indicações, não fazia a menor idéia de como chegar ao lugar, e ao perceber que não conseguia ler a placas da rua, meus olhos se encheram de lágrimas e de verdade, quase comecei a chorar.
Como sou adepta do “Quem tem boca vai a Roma”, então, perguntei para as pessoas que trabalhavam ali, como fazer para chegar, incrivelmente NINGUÉM conhecia o bendito endereço!
Dentro de mim, a agonia crescia sem parar: “Meu Deus, não é possível isso, não acredito que não vou conseguir chegar”. Peguei o celular:
– Estou em frente ao Teatro Municipal, como faço para chegar aí?
Com muita fé, finalmente encontrei o tal lugar. E não sei se consigo descrever a sensação de alívio e alegria que senti quando coloquei a lente e pude voltar a ver novamente. Saí de lá como a pessoa mais feliz do mundo, olhando as placas, anúncios e letreiros e completamente extasiada por enxergar até as letrinhas miúdas.
Se na vida a gente colhe o que se planta, digo que dessa vez aprendi minha lição:
“Eu, Carolina Marques, prometo nunca mais deixar faltar a lente de cada dia, amém!”.
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